Era inverno de 2018 e eu começava a sair de casa aos domingos de tarde para ir visitar aldeias nos arredores da cidade.
O inverno sempre me fez sonhar mais. Dias mais curtos, menos sol, mais frio. Aquele aconchego do quentinho da lareira acompanhado do cheiro a lenha queimada é tão bom dentro como fora de casa. Ao fim da tarde, quando regressava a casa do trabalho, ainda antes de entrar na cidade, sentia-se aquela névoa provocada pelo fumo das lareiras, e isso transportava-me automaticamente para a minha infância e para o desejo de voltar a viver esses bons momentos.
Nesses passeios de domingo, procurava reviver esses momentos. Na verdade, sempre viajei mais no tempo que no espaço.
Percorri o Minho, entre vales, montanhas e aldeias mais ou menos próximas da cidade. Com o passar do tempo, comecei a acreditar naquela frase que diz “nós somos aquilo em que acreditamos” e começou cada vez mais a fazer-me sentido que podia voltar a viver numa aldeia.
Comecei a fazer uma lista de prós e contras e embora existissem contras, a lista dos prós crescia muito mais rapidamente. A vontade de viver na natureza, numa casa com terreno, com animais, com árvores de fruto, com ar puro, com pássaros a cantar ao amanhecer e ao fim da tarde sobrepunha-se a todos os argumentos a favor de me manter na cidade. Sabem, o sonho comandava a lista de argumentos a favor da vida no campo.
A partir daqui, os passeios de domingo começaram a ter mais um objetivo. Sem pressa, até porque a minha situação financeira assim o ditava, comecei a olhar com outros olhos para casas e terrenos à venda.
Foi relativamente simples reduzir o leque de ofertas a casas antigas e terrenos isolados.
Para mim, o conceito de viver na aldeia, só faz sentido se for com características de uma aldeia. Não me faz sentido viver numa aldeia, numa casa geminada ou num apartamento.
Até ao final de 2018 já tinha uma lista bem concreta dos locais para os quais me mudaria se pudesse.
Começamos então a fazer contactos com proprietários e imobiliárias a fim de perceber se tinha possibilidades para continuar o sonho ou se teria de o adiar. Desistir, nunca.
Estávamos entretanto no início de 2019 e o mercado imobiliário já estava em curva ascendente. Ainda assim, os meus requisitos eram bastante específicos, o que me permitiu passar um bocadinho ao lado da maioria que procurava imóveis na cidade. Quando o valor me sorria, lá íamos visitar.
Das várias visitas, recordo-me perfeitamente que os terrenos vazios eram os que menos me diziam. Não tinham histórias para contar, Mesmo que o negócio até fosse possível e interessante, precisava de investir em algo com alma.
Por outro lado, também os havia com alma, mas com alguns entraves. Ou o preço, ou a localização, ou os acessos, ou qualquer um ou outro argumento que eu inventava só porque não havia amor à primeira vista.
Não acham que, se vamos investir as nossas poupanças num local para vivermos felizes e realizados, deve haver amor à primeira vista? Pois eu tenho a certeza.
Em Março de 2019 já tínhamos afunilado as nossas escolhas para dois negócios.
O primeiro, numa aldeia bem fora do centro urbano, era um terreno numa aldeia com poucos habitantes. Era suficientemente grande para garantir a construção de uma casa e ter árvores como eu sempre quis. O clique com este terreno deu-se quando na primeira de várias visitas ao local nos foi mostrada uma ruína em pedra. A ruína estava situada no ponto mais alto do terreno e havia mesmo à porta da casa uma laranjeira em flor. Amor à primeira vista.
Havia também uma casa num terrenos vizinho, mas que só era habitada no verão, Isto garantia-me também o requisito da tranquilidade e privacidade, pelo menos durante uma grande parte do ano,
Fomos avançando com o negócio, até ser necessário um documento da junta de freguesia para esclarecer uma situação relativamente a um caminho de servidão que entretanto estava extinto,
As burocracias nunca são rápidas, e fomos começando a deixar de acreditar no negócio.
O segundo negócio, completamente diferente do primeiro, começou a ter mais interesse, quanto mais não fosse porque o primeiro estava cada vez mais perto de não se realizar.
Era uma casa dos anos 70, não habitada há 10 anos. Embora para lados completamente opostos ao primeiro negócio face ao centro da cidade, também era numa aldeia relativamente distante da cidade.
Havia história naquelas paredes. Alguma da mobília ainda estava na casa e isso agradáva-me, porque conseguia imaginar os almoços de família ao domingo na mesa grande da sala. Ainda sentia o cheiro do fogão de lenha na cozinha. Havia vizinhos nas proximidades mas com uma distância minimamente aceitável para se estar à vontade num quintal bem grande nas traseiras da casa. Também havia árvores de fruto.
Fizemos várias visitas à casa e o negócio começou a ganhar forma. Tudo começou a fazer tanto sentido que até consultamos um arquiteto a fim de perceber que possibilidades tínhamos no processo de restauro da casa. Embora estivesse habitável, era necessário fazer algumas obras antes de nos mudarmos.
No regresso a casa após uma última visita, num sítio onde passei centenas de vezes ao longo da vida, subitamente reparo num terreno com uma ruína em pedra coberta de heras. Afinal de contas, este sempre foi o cenário idílico para mim.
Parei o carro na berma e senti algo que até hoje não consigo explicar. Este terreno não estava sequer à venda, e mesmo assim não resisti a “invadi-lo”.
Saltei um muro de vedação e andei alguns metros entre mato até chegar à ruína, que se via mal da estrada onde tinha tido o primeiro contacto visual. Neste momento senti uma paz e uma sensação de casa que nunca tinha sentido antes.
Estava numa eira de pedra, a olhar para uma ruína de pedra com dois pisos, a ouvir os sons mais incríveis da natureza - pássaros a cantar e água a correr por entre as pedras de um rio logo ali por baixo. Havia também ali no chão liquens, que para além de muito bonitos, são um sinal de pureza do ar.
Naquele momento, senti sem qualquer dúvida que estava num sítio onde queria viver. Mas o terreno nem sequer estava à venda e eu estava apenas a invadir uma propriedade privada sem autorização do proprietário.
Não quero saber! Isto vai ser meu, custe o que custar.
(CONTINUA)